sábado, fevereiro 24, 2007

Rua da Ilha - o início

Na Rua da Ilha, numa casa cheia de regras e papeis velhos afixados a pionés, escrevinhados numa letra infantil e irregular, com erros ortográficos, rasurados, riscados, vivia e ainda vive uma velha "senhora", de aspecto intemporal, como todas as velhas destinadas e determinadas em infernizar a vida dos outros.
Esta "senhora" era, e deve continuar a ser, muito zelosa dos seus bens materiais. Mal entrávamos tinhamos um papel a avisar-nos da necessidade imperiosa de só usar chinelos naquela casa. Todos os dias o ritual repetia-se: descer as escadas do 1º andar, com especial cuidado para não cair, já que havia nada menos que duas passadeiras sobrepostas, uma muito antiga e com aspecto muito sujo, a segunda de aspecto ainda mais sujo, mas daquelas baratas que se compram a metro nas retrosarias, descalçar os chinelos, calçar sapatos, descalçar sapatos e calçar chinelos, correr ao 1º andar em busca do guarda-chuva, descer as escadas, tropeçar, não cair, descalçar chinelos, calçar sapatos, sair.
No 1º andar e no R-chão continuava a haver tapetes por cima de tapetes. O chão tinha frio e carecia de aquecimento extra. Devido a grande fragidade de saúde do chão, os tapetes nunca eram removidos e havia uma camada de pó que era renovada todas as semanas com a ajuda de um aspirador tão velho que já ninguém adivinhava a cor original (com design robótico da guerra das estrelas, episódio IV).
Na casa de banho do 1º andar, o esquentador a gás convivia paredes meias com o "poliban" (quando tomei conhecimento dos taliban, pensei: devem ser da mesma família, mas um é poli, dá para mais coisas, o outro é tali, de grande), e com demais artefactos de louça, todos empilhados nuns exíguos 6 m2. Como o vapor dava cabo da alva pintura das alvas paredes, tomava-se banho com a janela aberta, já que as correntes de ar fortificam a saúde.
Colado a fita-cola, adivinhava-se uma mensagem encriptada que dizia qualquer coisa como: "É fa bor nao mecher no butão do gaz". Tal pedido nunca era atendido, já que urgia colocar o botão no máximo sempre que a velha decidia que 10 minutos no banho já era tempo de mais, e tomada de uma fúria valkirica, abria todas as torneiras na cozinha e casa de banho e deixava a infeliz sem água quente. Sim, mais de 10 minutos de banho era um horrível dispêndio de água e gás!.
Das janelas enormes do quarto havia uma vista maravilhosa sobre telhados multicolores em escadinha e ao fundo, o rio. Mas a janela não podia permanecer aberta. O sol danificava a madeira, e a única maneira de a proteger era fechando as persianas.
Quando chovia a água escorria torrencial pelas paredes, pelo candeeiro, utlizando caminhos trilhados por fios eléctricos, milagrosamente.
Na cozinha conviviam em perfeita desarmonia a gata velha, ninfomaníaca e frustada sexual com os dois canários estridentes e ensandecidos. Os azulejos que revestiam a parede do fogão não viam produtos de limpeza há anos, e no chão era frequente pisar pedaços de ração de gato bolorenta. Na pia, misturava-se indiscriminadamente os pratos sujos de refeições gordurosas com vários dias e o prato da gaiola dos canários, repleta de merda de pássaro.
Nunca cheirava a mijo de gato naquela cozinha, já que a velha achava que o telhado servia de depósito das necessidades do animal.
A porta de entrada, de madeira sólida e repintada 5 vezes tinha um fecho de correr que só abria do interior, que era meticulosamente fechado todas as noites, um ritual minuciosamente cumprido, não fossem os ladrões entrar connosco lá dentro.

2 comentários:

durkheim disse...

AHAHAHHAHAHAHAHA
Parti-me a rir a ler isto... A puta da velha abusou de vocês fogo.. Gostei dos pormenores que escreveste, da merda de passado na pia, a casa de banho e da ninfomaníaca, mas aqui fiquei a pensar, para a velha ter esse comportamento deveria ser ninfo tb, como agora já ninguém lhe dá nada o seu comportamento torna-se agressivo aHAHAHAHHAHAHAH lol
opah venha a continuação desta bela historia :)

Cheers!

Anónimo disse...

cruzes! credo! canhoto!