Estudar direito na Faculdade de Direito de Coimbra é um trabalho a tempo inteiro: extingue qualquer fulgor criativo, destroi metade das ligações neuronais, por outras palavras, tira-nos anos de vida, de energia e inteligência.
Raros são os tipos que saiem daquela faculdade sem terem experimentado uma fase de cansaço, daquelas em que se troca a gramática, o género e o número não concordam com o substantivo, e o complemento circunstancial de modo, de tão complexo, parece que é tecla repeat.
E a verdade é que para tirar direito em Coimbra, não é preciso ser muito inteligente, é preciso ser-se esperto, audaz, trabalhador e persistente.
Os nossos professores não querem alunos inteligentes e criativos, querem cassetes de repetição: "o Código de Hamurabi contém os primeiros direitos escritos relativos a mulheres...", ou então "a Escola da Exegese, impulsionadora do Positivismo Jurídico, compreendia que a interpretação era uma operação lógico formal, em que da premissa maior, a letra da lei, se deduzia a premissa menor, a resposta ao concreto problema jurídico decidendo". Seca, não é? Isto nem é um exemplo difícil!
E quando falo em alunos persistentes e audazes... bem... temos toda uma escola de ouvir e calar:
- "Alguém tem dúvidas?"
- "Sim, ..."
- "Por favor! Isso não é uma dúvida, é falta de estudo!"
ou então, numa oral de Direito Comercial:
- "Diga-me qual a semelhança entre o direito comercial e um ovo estrelado"
e numa oral de Economia Política, do 1º ano:
- "Qual a semelhança entre o Sistema Capitalista e a Madre Teresa de Calcutá?"
e que dizer do funcionário, que responde sempre bruscamente, quando responde, e que quando utilizada a forma consensual de agradecimento,
-" Obrigado nada, isto é o meu trabalho, estou-me a cagar para si, agora va-se lá embora!"
ou quando foram todos chumbados, dias a fio, porque não sabiam que uma lei constitucional era uma lei de revisão (uma mera linha num livro com 1500 páginas), ou a humilhação pública, com direito a sala cheia, porque disse que o senhorio era notificado do trespasse de estabelecimento comercial, quando na verdade este era notificado da mudança de arrendatário (o que em termos práticos, significa que o homem fica a saber que houve trespasse e agora quem lhe paga as rendas é outro sujeito qualquer).
Em Coimbra perdemos anos de vida, desde estudar teorias completamente caducas, só para aprimorar a nossa "sensibilidade" jurídica, até sujeitarmo-nos a orais, para as quais estudamos que nem bestas, sabendo que mesmo assim nos sujeitamos a uma humilhação pública se a resposta não for a correcta, em que os insultos vão desde a falta de rigor ao artigo 25º, n.º2 da Constituição: "Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos".
- "Leia o artigo 25º, n.º 2 e vá-se embora, esta oral está a ser uma tortura, o Senhor é um ignorante!".
Com tratamentos tão desumanos, muitas vezes a única opção de se passar a uma cadeira, é esperar que o professor se jubile, peça licença sabática ou então morra. Durante anos, os suspiros perante a bandeira a meia haste iam para o professor de Finanças Públicas. Como morreu, nos últimos anos recaiem sobre o professor de Teoria Geral do Direito Civil e Direito da Família e das Sucessões... e se é verdade que só quando morrem abandonam a cátedra... este último já teve 2 ataques em orais de passagem, mas "enquanto há vida há esperança".
Não se riam, é verdade! Já houve desmaios em frente à porta das orais, já houve caganeiras tempestivas, crises de vómitos... choros copiosos em dias de oral são o pão nosso de cada dia.
Valeu a pena?
Vejo colegas meus sairem de Lisboa com médias 2 valores mais altas que a minha, a não saberem coisas básicas, mas a sermos comparados e avaliados como se viessemos todos do mesmo sistema de ensino, e acho que não valeu a pena.
Ninguém me devolve as noites mal dormidas, as noitadas de estudo, o esforço em engolir coisas que não tinha de ouvir nem passar por elas para me formar como jurista.
4 comentários:
Está explicado! É por isto que não regulas bem da cabeça!
vai mas é estudar senão ainda chumbas à essa cadeira...e depois só mesmo em setembro e adeus sol e praia do algarve... :P
A culpa é dos alunos, não se revoltam, não se organizam. Dizem mal, dizem mal mas não fazem nada, não há tomates com medo de a nota ainda ficar pior ou de nunca mais conseguirem fazer a cadeira. Somos uns cromos mansinhos, fazem de nós o que querem..
Eu cá não sou nada mansa!
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