sábado, fevereiro 03, 2007

Parcas

Nestes dias frios de Inverno, gélidos, estarrecedora e estalactitamente gelados, três parcamente vestidas Parcas fiavam o fio da vida. Queixava-se a da esquerda, porque com tanta gente no mundo não parava de fiar, de enrolar a lã da vida nos seus dedos nodosos de tão idosos, e volta e meia lá se enganava, até que vinha a irmã da direita, toda solícita, e cortava o fio, exclamando: "Mais um aborto!".
Esta Parca era a menos infeliz. Tirava um grande prazer do seu trabalho, com a tesoura mágica cortava a vida dos desgraçados quando bem lhe apetecia, e não tinha de dar satisfações a ninguém: a irmã dava, ela tirava, e no tirar é que estava o ganho!
Volta e meia revoltavam-se as outras duas por lhe ter calhado a tesoura em sorte, resmungavam, rezingavam, mas acabavam por reconhecer que era ela a mais jeitosa para o corte.
A Parca do meio era a mais atarefada, costuma gracejar que devia ser a Patroeira das telefonistas: unia fios, desunia fios, enrolava-os a todos num novelo ou deixava-os por enrolar, esquecidos, a um canto. As vezes puxava os fios com tanta força, que quase os partia, mas nada de mais, eram só fios, e ela era só a Parca do meio.
E hoje, lá estavam as três, como sempre tinham estado, a fiar, enrolar e cortar o fio da vida. E como tantas vezes estavam caladas. Ao fim de séculos a trabalhar juntas já não havia nada a dizer, as palavras estavam todas gastas, de tão usadas, até que:
-"Hoje está mesmo frio!"
-"Não mais do que ontem."
-"É do aquecimento global."
-"Já ouvi dizer. Parece que estes humanos são mesmo doidos."
-"Pois são... qualquer dia finam-se e nós ficamos sem trabalho."
-"Temos de nos queixar ao Sindicato."
-"Esta Parca está parva! Somos só nós as 3, não temos sindicato!"
-"Pois não... Mas tenho pena."
-"É o sistema."
-"É a vida."

Sem comentários: