quinta-feira, agosto 21, 2008

"Citius, Altius, Fortius."


Tenho andado muito calada nos últimos tempos, a conter a irritação que me assola sempre que vejo as notícias portuguesas sobre os Jogos Olímpicos.

Gostava que os jornalistas desportivos vivessem uma semana de treino normal, que qualquer atleta que foi aos jogos olímpicos tem há já anos, desde a mais tenra juventude: os sacríficios que se fazem, as vidas adiadas, os treinos intensos e dolorosos, o pesadelo das lesões... Mas alguém faz ideia do que são os Jogos Olímpicos? Só vai quem treina arduamente para isso!

E todos os Portugueses, uma vez mais e sempre, treinadores de bancada, refastelados nos seus sofás a comentar o desvario das declarações dos nossos atletas, os maus resultados...

Há muitos anos tanto eu como a minha irmã fomos atletas federadas: tinhamos treinos todos os dias e ambas estivemos a um passo de nos consagrarmos atletas de alta competição. Tal nunca chegou a acontecer não só devido às nossas limitações físicas - não eramos as melhores das melhores - mas também porque não estávamos dispostas a desistir do conforto das nossas vidas e comezinhos objectivos juvenis em prol do sonho Europeu ou Olímpico.

Durante os anos em que andei no atletismo conheci por dentro a orgânica da organização (ou falta dela) e os atletas, especialmente os atletas.

Lembro-me do Fernando. Fernando, o corredor nato e incansável. Provinha de uma família de 6 irmãos, todos deixados ao deus dará. Lembro-me que o Fernando repetia sempre o almoço na cantina, 2 ou 3 vezes, afinal era a única refeição do dia. Nunca o vi a meter-se em problemas, e na verdade ninguém o provocava: se tivesse nascido numa família diferente teria feito grandes coisas, ter-se-ia possivelmente notabilizado na corrida de meio-fundo, a especialidade dele.

Recordo-me do Adalberto que corria o país em concursos de meio-fundo, descurando muitas vezes as provas nacionais, porque nos concursos o 1º prémio era dinheiro e ele vinha de uma família pobre.
Lembro-me de vê-los a correr no areal, num treino especial de força e resistência, de estarem absolutamente proibidos de ir à água para não se lesionarem. Lembro-me sobretudo de terem de cumprir horários restritos de sono antes das provas, para estarem no auge da condição física (nada de noitadas, nada de alcool, nada de discotecas... nada de vida normal de jovens adolescentes).

Lembro-me de como as raparigas se sentavam no colo dos rapazes, em plena explosão de hormonas e sentimentos contraditórios, dos namoricos, das discussões acaloradas do "levas um tabefe se não te calas", de como o nervosismo das provas nos dava a raiva de bater records ou nos congelava e deitávamos tudo a perder.

Lembro-me de serem todos pessoas simples, porque menino "bem" vai para o club de tennis ou para o clube hípico, e meninas "in" vão para o ballet ou para o conservatório estudar música. Pessoas simples que tinham das tiradas mais incríveis, por serem pessoas simples, por ninguém as ter ensinado a pensar, muito menos a falar. Pessoas simples mas esforçadas, e honradas.

E isto traz-me precisamente onde queria chegar. O comum dos mortais não pode aspirar aos Jogos Olímpicos. O comum dos mortais não consegue atingir os mínimos olímpicos. Os poucos heróis que conseguem sabem o que significa aquela divisa: MAIS RÁPIDO, MAIS ALTO, MAIS FORTE. Sabem que se está lá sobretudo para se dar o melhor, para ultrapassar as limitações, as dores, o cansaço, o desânimo.

Quando criticam os nosso atletas, que não conseguiram as ditas medalhas garantidas, eu critico a federação, que não soube aconselhar os mesmo atletas sobre que declarações prestar e em que circunstâncias.

Quando criticam os atletas por declarações erradas, eu critico os jornalistas: mau jornalismo, péssimo jornalismo. Péssimos comentadores televisivos. Criticam-se os 14 milhões gastos pelo governo português com o projecto olímpico, e eu pergunto: SÓ?

Criar um atleta olímpico dura anos, uma vida inteira. Os atletas que temos lá são autodidactas, é deles o dinheiro investido na carreira, é deles a criatividade de esticar o tempo e o rendimento mensal para poder treinar. O estado nunca deu dinheiro para o atletismo. Construiram-se estádios de futebol sem sequer se darem ao trabalho de projectar estádios multi-usos.

E a culpa é dos atletas? Pede-se a alguém que está desiludido com a sua própria prestação, mas feliz por estar lá, a viver aquilo, que fale do seu falhanço? Tiveram sorte em apanhar humoristas, porque se tivessem apanhado um qualquer atleta mal-disposto, mal preparados como estavam ainda levavam o belo do tabefe.

Lamento o post, mas estou farta do mau jornalismo que se pratica em portugal, e da facilidade com que toda a gente condena os falhanços alheios, esquecidos propositadamente do desmando das suas vidas privadas, das dívidas do cartão de crédito, dos anos que teimam em passar e nós cada vez mais velhos, dos pneus na barriga e a celulite nas coxas, dos filhos não educados... Falar mal dos outros é tão mais fácil!

8 comentários:

Anónimo disse...

Merecias uma medalha :)

Rita disse...

Concordo com tudo o que dizes acima de tudo com a falta de apoio que o estado dá aos atletas quando gasta milhões com o futebol. Mas não tenho pena dos atletas pelo esforço que fazem pelos condicionamentos que tem, "os sacríficios que se fazem, as vidas adiadas, os treinos intensos e dolorosos, o pesadelo das lesões", afinal de contas estão lá porque gostam, porque têm vocação e porque querem e eu estou refastelada no meu sofá (quando posso) porque correr, nem para apanhar o autocarro...
Os jornalistas podem ser muito parvos e fazer perguntas muito estúpidas mas os comentários de alguns atletas foram muito infelizes.
Jokas

Tulaunia disse...

Minha querida, percebo a tua posição e compreendo o que sentes mas... não posso concordar com tudo o que dizes. Medusasss para o Jogos Olímpicos há que ser O MELHOR! Se tal não é verdade há que suar sangue e suor para sê-lo ou então não ter esse tipo de aspiração. E não basta ser o melhor a nível físico temos que ser os melhores a nível psicológico.
Critico a federação primeiro, obviamente, mas não consigo desculpar os atletas.

Sadeek disse...

Medusa...eu no fim do jogos também vou fazer o rescaldo do que tenho visto e ouvido por aí relativamente à nossa participação...mas não há-de fugir muito da tua ideia.

Mete nojo esta malta... ;)

BEIJOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO

Tulaunia disse...

Sadeek, pareces ter alguns problemas com opiniões contrárias à tua. Dado que pareces ser tão senhor da verdade, fico a aguardar a tão sábia opinião.

Sra Esquizoide Frenica disse...

Ya, eu de manhã também só estou bem na caminha! E não sou uma égua histérica, muito pelo contrário!
ahahahha

M disse...

lol
Ainda bem que todos temos opiniões diferentes... dizem que é assim que o mundo não se vira.

Eu acho que é assim que o mundo aquece! lol

***

Alex disse...

Permitam-me relembrar aqui um pormenor do passado desportivo português:

"O presidente da Federação Portuguesa de Futebol considerou João Vieira Pinto um dos melhores jogadores portugueses de sempre.
“Quis transmitir-lhe o agradecimento, em meu nome pessoal e da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), por tudo o que ele fez de positivo ao longo da carreira”, disse Gilberto Madaíl, em declarações ao "site" da FPF.
Por outro lado, o presidente do organismo lamentou o incidente do Mundial'2002 - a agressão ao árbitro Angel Sanchez. No entanto, considerou que “mesmo assim, esse momento infeliz não ofusca o brilhantismo da sua carreira”.
“Esteve ligado a alguns dos melhores momentos do futebol português com uma contribuição decisiva. Não devemos e nunca vamos esquecê-lo”, acrescentou ainda Madaíl.".

Agora permitam-me por favor questionar os que criticam os nossos atletas olímpicos:
E a este "senhor", perdoaram a "falha"?

Beijos Med.