domingo, setembro 21, 2008

The pain

Há medida que o tempo vai passando vamo-nos finalmente apercebendo do que é ser-se adulto, que esta viagem que empreendemos por cá nem sempre é tão agradável, nem tão esfuziante como tinhamos perspectivado quando eramos crianças. Os papás não só mentem e não sabem tudo, como têm sexo, são fracos, cheios de defeitos e cada vez mais frágeis.
E nós como filhos deles, por muitas certezas que possamos ter daquilo que fariamos se estivessemos naquela posição, amadurecemos a nossa personalidade e a nossa visão da vida com as bases que recebemos em casa, quer adoptando o mesmo padrão, quer reagindo adversamente e fazendo radicalmente o oposto.
E crescer é, sem dúvida, questionar e problematizar aquilo que nos rodeia, o imbróglio reside no preciso ponto em que tudo é questionado e problematizado e ficamos sem certezas, no limbo.
Crescer, no fundo, é perceber que tudo aquilo que desejámos de melhor para nós dificilmente terá lugar: o mundo não vai melhorar, não teremos qualquer lugar no decurso da história, nascemos para ocupar espaço, talvez deixar um outro ser como nós para a posteridade e depois morrer.
E aqueles que mais realistas sonhavam com chegar docemente a velhinhos, na companhia do respectivo, a molhar bolhachinhas no chá doce porque os dentes são fracos, ou a rabujar um com o outro, só para haver movimento e ânimo, cedo se apercebem que na nossa realidade, a dos dias que correm, não temos lugar no futuro, é desejo dos econometristas deste país estoirar connosco antes de chegar à idade de receber a contrapartida das nossas vidas inteiras de trabalho.
And they say jump and you say how high, até que a juventude se esvanece e deixamos de ter forças sequer para nos arrastarmos no fim-de-semana. E morremos todos alegremente aos cinquenta anos, fruto de uma vida stressante, exactamente naquele ponto em que deixamos de ser jovens.
E recorremos a nutricionistas, tornamo-nos fãs da comida saudável, para nos enganarmos a nós próprios, para assim esconder com uma peneira o que não pode ser escondido nem o corpo esquece: as verdadeiras mudanças não recaiem apenas na alimentação, nem em deixar de fumar, mas sim em recusar horas extraordinárias, que de qualquer modo nunca serão pagas; não passar mais um fim-de-semana fechado no escritório, com os olhos na eventual promoção que tantas vezes é um mero engodo de patrões desonestos que têm a faca e o bolo na mão... e trabalhar, trabalhar imenso para passar férias no estrangeiro, ter o carro da marca x, o apartamento perto do trabalho e a casa de campo que é usada apenas uma vez por ano, na única semana de férias que conseguem efectivamente tirar.
E trabalham porque acham que tudo vai ser assim, para sempre, "porque eu sou forte, eu consigo, eu sou capaz". Mas não são, e morrem que nem tordos, de ataque fulminante. E deixam pais velhinhos, pesarosos, mas que nunca passaram por aquilo que temos de passar, nem imaginam o que é sobreviver nos dias de hoje.

11 comentários:

Anónimo disse...

Oh vizinha! Estás inspirada! Life sucks, i know! Não me digas que te leram outra vez a sina e disseram o mesmo??? lol. Ao menos tens amantes, o que não é nada mau lol.
Bjkas

grassa disse...

A tua escrita é assim como um pontapé nos tomates, mas em bom.

Parabéns.

Leila* disse...

"...nascemos para ocupar espaço..."

Esta é forte amiga!

Venham mais pontapés nos tomates, siga!

ZaniNE disse...

Claro que a vida não é só trabalho, e é verdade que muita gente se esquece de viver, mas as coisas não são assim tão más. não podem ser, ou não faz sentido andarmos cá?!

Eu tb não quero saber de carros XPTO ou casa de férias... Basta-me uma casinha pequenita, um carro que ande (!?) e as saídas com os amigos.

P.S. Isso é mentira: os meus pais não fazem sexo!?

marta disse...

Pois é, Med. Quando somos pequenos achamos que crescer é um algo de progressivo e suave. É mentira. Crescer é assim como bater de frente contra uma porta de vidro que julgávamos aberta. E, como diz um grande amigo: life is a bitch...and then we die.

***

shark disse...

Esse teu desencanto a roçar o apelo à revolução leva-me a concluir que está na hora de pensares no que queres MESMO ser quando fores grande, Med...
:-)
(Bem esgalhada, a prosa. E tropecei sem querer num conceito também revolucionário embutido no teu post: as "bubble cookies"!)

M disse...

Pocahontas, vizinha!
Saudades das cafezadas! :)
Não, não tem nada a ver com a sina, é mesmo ver o pessoal a morrer por estes lados como se carneiros com moléstia!
***

Grassa, bem vindo e muito agradecida pelo elogio. Confesso que nos tomates só tenho por hábito dar joelhadas.
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Leila dear, é um bocado forte, é verdade, mas não deixa de ter a sua verdade (ando a dar em Nietzsche ultimamente).
***

Zanine, não quis com o que escrevi dar uma lição de moral, mas apenas alertar para um problema. Claro que penso como tu, a minha vida tem prioridades impreteríveis, o problema é quando não temos opção.
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Marta, já conhecia a frase mas já não a lia há muito tempo, adoro!
"Life's a bitch and then we die!"
lol
***

Shark, adorei a ideia dos bubble cookies, se bem que seja passível de múltiplas interpretações.

Já o texto em si não foi escrito a pensar numa qualquer crise existencial pela qual esteja a passar. Na verdade eu sou cabeça dura e nunca aprendo, o meu rumo há muito que está traçado, e são poucas as alternatica viáveis.

Este texto é mais uma ode ao desencanto: a minha geração não tem opção, é mesmo a esgalhar até ao 1º ataque cardíaco.
***

mik@ disse...

ola med
esta a pensar nisso há minutos atras. cairam-me em cima responsabilidades que eu nao queria e nao tnh prazer nenhum em assumir. vai significar muitos nervos e estar em contacto com a criatura. basicamente eu nao decido nada mas tnh o trabalho todo e camadões de nervos.
kisss

Mokas disse...

pronto... acabaste basicamente de dizer que o pai natal não existe. Eu, como qualquer criança faria, vou responder:
"É MENTIRA!!!!!!!!!!"
Pronto...
Esclarecida a questão relativa à existência da vida sexual dos pais e do plano de vida, vou continuar a escrever a minha cartinha ao pai natal.

Lady Oh my Dog! disse...

eh pá que texto tão bom! é mesmo mesmo isso. Deviamos ter sempre presente esta lógica de sociedade sangue-suga. É que é mesmo muito dificil dizer "não!" às horas extraordinárias e ao esforço-a-todo-o-custo sem sentimentos de culpa!

obrigada por relembrares.
aquele abraço :)

Alex disse...

Esgalhar? Uou... Percebo o que dizes e identifico-me. Às vezes. Há dias em que ainda acho que posso salvar o mundo... Enfim, vidas...
Beijos.